Home » Cinema: Políticas da Imagem

Cinema: Políticas da Imagem

Cinema: políticas da imagem / Cardes Amâncio, Paulo Heméritas, Wagner Moreira (Organizadores). – Belo Horizonte: cefet-mg, 2020.
503p.:il. ISBN 978-85-99872-52-9

APRESENTAÇÃO

Os artigos contidos neste livro foram elaborados para marcar a passagem de sete anos de história do Cinecipó – Festival do Filme Insurgente, iniciada no verão de 2011 no município de Santana do Riacho – MG, sede do Parque Nacional da Serra do Cipó. O nascimento do Festival está correlacionado a necessidade percebida por seus idealizadores de discussão na comunidade local quanto aos impactos socioambientais (queimadas, desmatamento, inflação, violência, etc.) provocados pelas atividades econômicas ali desenvolvidas notadamente o turismo, a especulação imobiliária, a mineração e a agropecuária.

A Serra do Cipó está situada em uma área biodiversa do cerrado mineiro, morada de antigos sítios remanescentes de quilombolas e de nativos indígenas do interior brasileiro. Nesse sentido a proposta do Cinecipó fundamenta-se diante de uma pretensão simples: refletir sobre a questão ambiental local através da exibição de filmes de diferentes formatos e temáticas socioambientais. Com o propósito de transformar a arte midiática num instrumento cultural fundamental para a orientação das subjetividades foram realizados debates no sentido de motivar uma vida ativa nas arenas políticas existentes como os conselhos municipais e as audiências públicas que compõem a participação democrática ampliada.

O Cinecipó recentemente passou a ser realizado também na cidade de Belo Horizonte e redefiniu sua temática nuclear passando a denominar-se Festival do Filme Insurgente. Hipoteticamente, o filme insurgente é aquele que corajosamente abandona os pressupostos discursivos e estéticos existentes no cinema e ousa argumentar midiaticamente através de uma reconstrução inovadora. Literalmente, insurgente possui os seguintes significados: insurgens,-entis: particípio presente de insurgo,-ere: levantar-se, erguer-se, atacar, ameaçar, insurgir-se; que ou quem se insurge. Inssurrecto, revoltoso. Palavras relacionadas: revoltoso, insurgência, insurrecionado, rebelde1.

Esta proposta revela-se uma tentativa de reação quanto ao esquecimento da política, a alienação provocada pelo mundo do trabalho. Tornou-se um evento aglutinador de obras audiovisuais representativas de expressões sociais multifacetadas como a questão urbana, os conflitos agrários, o pensamento: ecológico, de gênero e étnico, entre outros assuntos cujo desejo é motivar os enfrentamentos de luta por justiça social.

O Cinema Ambiental contemporâneo ao qual o Cinecipó esteve atrelado nasce dos movimentos de contracultura que propiciaram o florescimento de uma identidade cultural verde2surgida no início dos anos 1970 e foi motivada por uma reação organizada da sociedade quanto ao aparecimento sintomático da ultrapassagem dos limites do espaço físico-geográfico. As evidências surgiram notadamente nos interesses difusos como a poluição ou a escassez relativos aos direitos sobre a utilização do ar, da água, do clima e do solo. A politização da questão ecológica resultou em capital social existente hoje nesse movimento social e se deveu a intensas lutas de grupos sociais que conquistaram o direito à realização de convenções e a promulgação de legislações internacionais de proteção e conservação dos ecossistemas naturais e tiveram como evento consagrador a Conferência Rio-92, reflexo da alta regulação do campo ambiental.

Paralelamente às ações políticas, houve a incorporação de novos saberes e conhecimentos científicos desenvolvidos para enfrentar a questão dos limites no campo da Ecologia, da Sustentabilidade e da Educação Ambiental. Foi delineada uma ética3que fundamenta o discurso ambientalista, qual seja, a preocupação em desenvolver-se socialmente o presente sem que se comprometa a garantia dos recursos naturais necessários a manutenção das gerações futuras em que a tônica da vida passa a ser o cuidado com o meio no qual se vive e com todos os viventes.

Entre as décadas de 1970 e 1990 também surgem os primeiros filmes de cinema decorrentes da expressão destas manifestações sociais e são organizados os primeiros eventos de exibição exclusiva da temática ambiental como o Fica, o FilmeAmbiente e o CineEco. Os eventos tornaram-se paulatinamente numa arena de discussão entre o real e sua representação: a imagem. Esta é utilizada nestes espaços como fonte de revelação dos múltiplos significados que o ambiente exerce sobre a humanidade e os conflitos decorrentes de seu uso numa sociedade, na expressão frankfurtiana, marcada pela razão instrumental.

Este livro apresenta a necessidade de se refletir sobre o tema do “filme insurgente”, que converge para o sentido ambiental da sua proposta e insiste em uma forma de revelar o poder contido na arte midiática, investindo no desafio de apresentar um mapa da extensa temática tratada.

Ele também estimula o ato da leitura da realidade por meio das reflexões críticas de seus autores quanto ao campo de saber – na acepção bourdieusiana – dos denominados “Cinema Ambiental”, “Cinema Socioambiental’ e “Filme Insurgente”. O diálogo estabelecido nesse sentido e que propiciou o presente livro está subdividido a partir das múltiplas abordagens analíticas realizadas quanto a questão imagética-sonora e ora organizadas nos seguintes capítulos: i – Da experiência e da memória; ii – Da imagem ambiente; iii – Da imagem indígena, e iv – Da imagem urbana.

Por fim, também esta reunião de artigos celebra a parceria do Cinecipó com o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG, representado pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens posling/CEFET-MG. Este incentivou a chamada para a seleção dos artigos, bem como a elaboração do projeto editorial deste livro e a pesquisa na área da imagem, eu seu viés de divulgação científica e acadêmica, envolvendo alunos da pós-graduação e da graduação do Curso de Letras, ênfase em Tecnologias da Edição, do CEFET-MG. Em tempo, o Festival já contou com a participação de professores e alunos da instituição em sua organização e execução, tendo sido desenvolvido como projeto de extensão da mesma.

Esperamos promover uma boa leitura para aqueles que se interessam pela construção da imagem crítica nesse início de século XXI.

2 Manuel Castells em “O Poder da Identidade”, o verdejar do ser.

3 Há evidências que este discurso seja capturado pelo mercado para atingimento de objetivos não previstos pelos indivíduos que contribuíram para a construção do capital social ambientalista (free-riders discursivos).